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ANALISANDO AS ELEIÇÕES #20: CALMA, CALMA, MINHA GENTE, O LEÃO NÃO TEM DENTE

29-10-2014
Postado por Milton Marques em Palavrizar
A coluna Palavrizar e a série Analisando as Eleições contêm textos autorais em que Milton Marques, nosso consultor para assuntos de opinião pública, expressa suas opiniões sobre assuntos da atualidade. Clique aqui para conhecer mais textos assinados por ele.

Antes de qualquer coisa, quero deixar claro o meu desinteresse eleitoral pelos candidatos que disputaram o segundo turno. Dessa maneira, não estou aqui a defender posições Dilmistas ou Aecistas.

Indiscutível é a legitimidade da vitória da situação, e a vontade popular deve ser respeitada.

Ao ver o Presidente do TSE, em seu discurso de balanço do segundo turno, dizer “a eleição está encerrada”, fiquei a imaginar a distância entre a fala formal e o que é o país real. O resultado das eleições e suas consequências serão objeto de discussão intensa em todo o país durante muito tempo.  Nas redes sociais, o clima ainda é de total beligerância só para se ter uma ideia, durante o debate da Rede Globo, foram contabilizados um total de 6.200.000 tweets, um volume que foi capaz de tirar o Twitter do ar, por alguns momentos, em todo o mundo. A tendência dos dois primeiros dias, pós-eleição, ainda é de altíssima atividade política nas redes. Estamos vivendo em uma sociedade onde o debate político é de alta intensidade, bom para a democracia.

Muito ainda temos que pensar e aprender com as eleições de 2014, e leituras e análises mais acuradas só serão possíveis com algum afastamento de tempo. No entanto, podemos arriscar algumas considerações e conclusões sobre o curto prazo, são elas:

1 – Erram aqueles que acham que o país saiu dividido da eleição. Tolice! Somos, desde sempre, um país dividido regionalmente, desigual e injusto. Fomos também assim nos anos de governo do PSDB e assim continuamos nos 12 anos de governo do PT. Mesmo tendo criado o maior programa de distribuição de renda da história brasileira, o PT não foi capaz de propor e trabalhar na direção de corrigir grandes desigualdades regionais e sociais – é bom lembrar que nesse período os ricos ficaram ainda mais ricos. Por exemplo: ao não proporem e aprovarem a reforma tributária, ambos os partidos impediram que o Nordeste brasileiro aumentasse substancialmente as suas receitas e se livrasse da crônica dependência do Governo Federal. Pouco ou nada se avançou nos últimos 20 anos nas discussões relevantes sobre os direitos das minorias em geral e, especialmente, dos índios, quilombolas e ribeirinhos. O PT se recusou a aprovar a segurança jurídica de seus programas sociais. Desse modo, não me venham, ambos os lados, com discursos sobre a necessidade de consenso e de união nacional, pois o consenso só serve como forma de silenciar a discussão sobre desigualdades sociais.

2 – A reforma política não foi de fato um verdadeiro compromisso de nenhum dos dois candidatos. Aécio Neves a colocou com destaque como forma de obter apoio de Marina Silva, mas chamou atenção para o fato de que essa matéria teria de ser negociada e aprovada pelo Congresso Nacional. Equivale a dizer: propor, eu proponho, mas não garanto a aprovação. O PT, por outro lado, depois de 12 anos de governo, sinaliza com uma reforma política por meio de um plebiscito. De qualquer forma, ele terá de ser convocado pelo Congresso Nacional, onde o Governo tem ampla maioria;  no entanto, não tem o menor interesse, por razões de sobrevivência, de aprovar a reforma política. Não vamos criar ilusões, o sistema político (todo ele) não quer uma ampla e moderna reforma política. E o ônus ficará com o Congresso.

3 – Dilma assume um segundo mandato muito enfraquecida, por várias razões:

a) o apoio da base aliada está precificado. Para tristeza de muitos, não é possível, para o Governo e para o PT, dar uma guinada para a esquerda. Mesmo que isso fosse um consenso dentro do Partido, as alianças e compromissos com os diversos partidos da base aliada e, principalmente, com o PMDB impedem qualquer ação nessa direção. No segundo mandato de Dilma, Renan Calheiros, José Sarney, Fernando Collor, Romero Jucá, Jader Barbalho, dentre tantos outros não tão conhecidos, mas igualmente conservadores, farão parte integrante do Governo. Continuaremos a ter um governo de centro-direita;

b) o calendário dos escândalos, advindos da Petrobras, não permitirá nem mesmo uma pequena trégua no início do novo mandato. A opinião pública vai acompanhar passo a passo as investigações e as apurações de responsabilidades. Golpistas de plantão, aqueles que já começam a falar de impeachment, eleitores de oposição à esquerda e ao centro farão estardalhaço monumental. O resultado final poderá ser uma crise institucional de gravíssimas consequências;

c) no front econômico, o novo governo começa com um conjunto de péssimos indicadores – o único bom resultado ainda é o baixo nível de desemprego. Exportações, contas externas, taxas de juros, crescimento econômico, alta inflação, baixa taxas de investimento, dentre tantos outros, serão um grande problema nos próximos meses. Ao não apresentar, por meio do Plano de Governo, a sua agenda micro e macroeconômica, a candidata Dilma e o PT deixam as forças do mercado completamente à deriva e ao sabor das especulações;

d) com os resultados da apertada eleição, existe uma forte probabilidade de que as oposições no Congresso Nacional se unam e conquistem mais espaços nas Comissões e nos cargos de direção. Será uma oposição dura e barulhenta;

e)      Dilma, pelo menos do ponto de vista de hoje, terá grandes problemas para recuperar a sua imagem e reputação nos colégios eleitorais onde Aécio Neves foi muito bem votado. Ao iniciar uma campanha do tipo “vale tudo” – ela começou com a chamada desconstrução de Marina Silva e, depois, com a participação dos tucanos -, o PT transformou a eleição em um verdadeiro mar de insultos, provocações e demonstrações de desrespeito cívico. Todas as regras da boa discussão democrática foram jogadas no lixo. Tomando-se como parâmetro o conteúdo que circulou e foi postado nas redes sociais, o problema é muito grave, tão intenso, que considero que dificilmente Dilma recuperará a liturgia do cargo, tão colocada de lado durante a campanha eleitoral. Em várias regiões do país, Dilma será profundamente hostilizada;

f) o fogo amigo deverá estar presente no segundo mandato. Será muito difícil manter parte da equipe de governo longe de algumas rotinas escandalosas, tão frequentes em todos esses anos de Governo, ao ter necessariamente de ceder cargos e orçamentos para um espectro tão heterogêneo de atores políticos. Mesmo como uma ampla reforma em todos os Ministérios, a probabilidade de ocorrência de novos escândalos será sempre uma fonte de sobressaltos. A governabilidade continuará a cobrar o seu preço;

g) poderia listar mais algumas razões para estar pessimista, elas são inúmeras. A que mais me preocupa é a exaustão da vontade de diálogo de parte expressiva do eleitorado para com o Governo e o PT. O sinal já havia sido dado nas manifestações da metade do ano de 2013, e, em minha opinião, elas foram agravadas no processo eleitoral de 2014. Em nada contribuiu, para a retomada do diálogo, a resposta inconsequente de que os manifestantes não passavam de um bando de coxinhas de classe média; para os bons observadores, as manifestações foram de fato um momento de inflexão, de uma parte relevante da população, inclusive de baixa renda, para com o sistema político brasileiro. As manifestações podem voltar e o PT e alguns Governos Estaduais estão completamente despreparados para tratar com respeito democrático os manifestantes – tendo como referência o que aconteceu no ano passado, os que forem para as ruas serão presos, espancados, observados nas redes sociais e, o que é mais lamentável, tratados como conservadores ou direitistas. Por outro lado, a tentativa do Governo de abrir espaços para a participação política, não importa o modelo proposto, será recebida com todas as reservas, pois, se alguma coisa funciona bem no petismo, é o aparelhamento. Não concedo o reconhecimento ao atual sistema de forças políticas, que hoje detém o poder no país, a capacidade de pensar, agir e governar com a pluralidade equivalente à existente na sociedade brasileira;

4 – Os marketeiros e o ex-presidente Lula, responsáveis pela estratégia eleitoral, cometeram um grave erro. Ao elegerem Marina Silva como a sua maior ameaça e estabelecerem no primeiro turno contra ela o vale tudo eleitoral, colocaram Aécio Neves no segundo turno. O candidato tucano passou mais de 10 meses no mesmo patamar de intenções de voto, sua candidatura somente patinava. Marina teria sido uma adversária mais fácil, por várias razões, em um segundo turno. Ao estabelecerem o PSDB como o adversário preferencial, o Governo e o PT ressuscitaram aquele partido, que já não era uma força política relevante. Concederam a oportunidade para que o candidato do partido obtivesse 51 milhões de voto e, em determinados momentos, ameaçasse a reeleição de Dilma. Aécio entrou eleitoralmente pequeno na eleição e sai dela como o grande líder da oposição. Não foi isso que o PT lhe concedeu; permitiu por meio da campanha do vale tudo, que todas as discussões difíceis para ele, sejam elas de natureza política ou pessoal, fossem tratadas de uma só vez. Assim, Aécio tem a possibilidade de ir para a eleição de 2018 expurgado dessas fragilidades. O PT cria de fato a possibilidade de Aécio Neves vir a ser presidente do Brasil.

Esse negócio de escrever para blog tem um imperativo: ser econômico no número de palavras. Difícil! Teremos de continuar as análises em outras postagens. Nesse momento, lembro o que dizia o falecido Deputado Federal José Lourenço: “as consequências virão depois”.

Aviso aos descuidados: Minas Gerais sempre foi dividida, entre as Minas e as Gerais.

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